MACACO VELHO NÃO METE A MÃO EM CUMBUCA. MAS TEM GENTE MERGULHANDO DE CABEÇA!


CUMBUCAS PÓS-MODERNAS




Em janeiro adquiri por um preço módico um desses “smartphones” queridinhos da moda numa promoção realizada por uma operadora. Muitos colegas de trabalho, clientes, alunos e até familiares elogiaram minha aquisição, citando todas as inegáveis vantagens dessa “maravilha da tecnologia”.
·         Além de telefone é máquina fotográfica e editor de fotos;
·         É também computador e tv;
·         Possibilita o acesso à internet e às redes sociais;
·         Possui GPS integrado e rastreador,
·         Pode carregar e-books, ler e enviar e-mails, e mensagens de vídeo;
· Etc., etc., etc ...        
Esses elogios me convenciam de minha inteligência e senso de oportunidade por tê-lo comprado. Mas hoje vejo que a inteligência e o senso de oportunidade foi de quem me vendeu o aparelho!



De fato fiquei muito feliz com a compra naquele momento e comecei a ter fé nos tecnólogos de plantão. Ou procurei me convencer disso. Fui “órfão dos Pocket-PCs” (minicomputadores portáteis) por muito tempo e gostei quando pude aliar telefone ao computador numa única gerigonça portátil, fácil de carregar pelos aeroportos da vida, tornando-se tábuas de salvação em intermináveis horas de espera em “check ins” por esse mundo afora.
Sem perceber que eu tinha sido fisgado. Vivi o sonho durante um semestre. Em agosto do mesmo ano o mesmo aparelho ainda figurava em minha bolsa e meus antigos admiradores transformaram-se em meus questionadores.
  • – Ainda com o mesmo aparelho?!
  • – Não vai trocar?!
  • – Já chegou o novo modelo, sabia?!
  • – Deixa de ser pão-duro!!
E assim por diante...


Eu nem cogitava trocar de aparelho. Afinal o pobrezinho estava praticamente novo e atendia todas as minhas necessidades. E quando manifestei essa ideia de gente comedida, que só compra coisas que realmente necessita, quase fui crucificado. Pois a lição do pós-modernismo é simples. “Mantenha seu status a qualquer preço”. Afinal a imagem de pessoa “antenada” que eu havia conquistado não tinha preço. Mas na verdade tinha preço, sim. E era muito alto!



Mas diante de tanta pressão pensei. “Ora, dane-se"! Afinal eu podia comprar um aparelho novo!  Eu trabalhava para isso. Para me proporcionar esse conforto. O fato de que o antigo continuasse atendendo minhas necessidades era apenas um detalhe. Eu poderia vendê-lo, doá-lo, etc. E afinal, o novo modelo era mais bonitinho e tinha uma tela quase 0,25 polegadas maior...!
Com esses e outros pensamentos, confesso que quase sucumbi à tentação, mesmo percebendo a sutil armadilha do consumismo, tentando fazer com que eu preenchesse com coisas materiais um vazio que não poderia nunca ser preenchido com coisas.
Eu sabia que o telefone era apenas a ponta do iceberg. Teria o carro zero, a moto, o trailer, o barco, a casa de praia, a TV de led, a TV por assinatura… E assim entendi por que meu vizinho trabalhava muito, fazendo o que não gostava, para comprar tantas coisas que não precisava. Ele queria muito impressionar um monte de pessoas que nem conhecia!




Acho que devido a esse exemplo de obsessão e infelicidade que popularizava ao meu lado, eu não me conformava com a ideia. Por que estourar meu cartão de crédito para comprar coisas que eu não preciso? Sem tantas contas para pagar eu posso trabalhar menos. Ter mais tempo para descansar, curtir a família e os amigos. Ser um pouco mais livre e ter um pouco mais de vida, afinal!




         Para concluir...

        Façamos uma releitura de uma das fábulas de Louis Pauwels, de como as antigas tribos caçavam os macacos que compunham parte de seu cardápio. Eles amarravam nos coqueiros preferidos desses primatas algumas cumbucas, todas cheias de pistaches (sementes comestíveis). No entanto, a abertura de cada cumbuca era estreita o suficiente para permitir a passagem de apenas uma das mãos (e esta) sempre estando aberta. E uma vez que o animalzinho fechasse sua mão sobre a prenda, o punho, assim fechado, ficaria preso no estrangulamento (dentro) da cumbuca, aprisionando, por sua vez, o próprio animal. Evidentemente se o animal abrisse a mão, ele escaparia facilmente. No entanto, seu instinto não o permitia (soltar seu objeto de desejo). E assim, ficava o infeliz aprisionado à cumbuca, gritando, forçando suas amarras, sem abrir sua mão e, portanto, sem conseguir escapar de seu destino.





Por vezes eu flagro boa parte da humanidade nessa mesma situação. Sendo prisioneira de seus pertences.





E nas palavras de Pauwels:
“É necessário apalpar, examinar os frutos-armadilhas, depois afastarmo-nos com rapidez. Satisfeita a curiosidade, convém dirigir imediatamente a nossa atenção para o mundo em que estamos, recuperar a nossa liberdade e a nossa lucidez, retomar o caminho sobre a Terra dos Homens da qual fazemos parte.”







Adaptação de LuisBorsan.
Texto de Mustafá Ali Kanso, disponível em: https://hypescience.com/consumismo-e-as-cumbucas-pos-modernas/

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