O que eu como a prato pleno, bem pode ser o seu veneno. Mas como vai você saber, sem provar?!


EFÊMERA VIDA

“E o anjo do Senhor, de quem nos fala o Livro Santo, desceu do céu pra uma cerveja, junto dele(s) no seu canto. E a morte o(s) carregou, fez um pacote com seu manto...”

Dois jovens, Prudêncio e Franco, trabalhavam como engraxates. Todos os dias Prudêncio poupava seu dinheiro, pois tinha seu projeto de vida. Mas, por conta disso, privava-se de muitos desejos adolescentes comuns à idade deles. Era criticado e apelidado com codinomes que se referiam à mesquinhez. “Miserável” era o mais eufemístico. E, dessa forma, vivia o dia e não o sol, a noite e não a lua. Do outro lado, Franco, todos os dias, com o dinheiro que ganhava, comprava sorvete, ia ao cinema com as meninas, comprava gibis, roupas novas, passeava, e, assim, era muito popular e alegre. Após alguns anos, no natal, Franco fez o que sempre fazia, viveu muitas alegrias que ficariam na sua alma para o resto da vida. Prudêncio, com suas economias, comprou uma linda motocicleta, que era o primeiro passo do seu projeto de ter uma empresa de motoboys. A partir daí, Prudêncio, passou a ter sua conquista como referência de identidade, respeito e status. Passou a ser conhecido como o menino-da-moto, e todos se aproximavam dele e lhe queriam amizade. Passado mais um ano, Franco continuava deixando a vida lhe levar num clima de alegria e prazeres, enquanto Prudêncio comprava sua segunda moto e sua empresa só crescia, assim como seu prestígio e importância social. Franco seguia com sua profissão de engraxate e vivia a vida intensamente. Vivia tudo o que havia para se viver. Vivia como mandavam os sonhadores.







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A música Epitáfio, do grupo Titãs, passa a ideia de que Prudêncio, no futuro, certamente se lamentaria por ter trabalhado tanto e não ter tido tempo para “ver o sol se pôr”. E isso é consoante na música Esqueci de Viver, de Julio Iglesias, como na versão brasileira de José Augusto. Esta canção sugere o fatal arrependimento de Prudêncio. “...De tanto querer ser em tudo o primeiro, esqueci de viver os detalhes pequenos...” A canção De Corpo Inteiro, de Rigaud, traz a mensagem de que Prudêncio certamente seria uma pessoa infeliz. “...Quem não goza bastante da vida, vai morrer com essa triste ferida...” O Cantor Belchior, em sua composição Pequeno Perfil de Um Cidadão Comum, afirma que quando Prudêncio acordar para a vida, já vai ser tarde. “Era feito àquela gente honesta, boa e comovida, que caminha para a morte, pensando em vencer na vida...”  Raul Seixas, em sua filosófica obra musical Tá na Hora, confirma que Prudêncio vai olhar para trás, para sua vida passada, e sentirá o aperto de uma sensação sem nome, que lhe angustiará o centro da sua alma. “...Tá na hora da velhice, tá na hora de deitar, da cadeira de balanço, do pijama, do remédio pra tomar, e minha vida, aonde é que está...?!”

O Artista musical Alceu Valença, em sua erudita música O Romance da Bela Inês, insinua que Franco chegaria, inevitavelmente, a um tempo já sem volta, em que perceberia que “...O fracasso provoca o desamor...” E, assim, quando não tivesse mais forças para trabalhar e proporcionar as alegrias alimentadoras das almas dos(a) que lhe acompanhavam, acabaria sozinho e esquecido. Isso é compartilhado pelo supracitado José Augusto em sua canção Tudo Deu Em Nada. “Era duro trabalhar e difícil levar algum pra casa, eu sonhava mais e mais pensando que te tranquilizava, o fracasso foi cristal, refletia nossas vidas separadas, e, depois de um longo tempo de enganos, tudo deu em nada...” Portanto, explica que Franco perder-se-ia no mar das ilusões. É Preciso Muito Amor. Esse super-clássico do samba brasileiro, do compositor Noca da Portela, regravado por inúmeros cantores, jura que num relacionamento homem-mulher, acabado o dinheiro, acabado também o amor. Nesse contexto, chega a sinonimizar dinheiro e amor, quando diz “...É preciso muito ‘amor’ para suportar (no sentido de dar suporte, sustentar) essa mulher, tudo o que ela vê numa vitrine ela quer, e tudo o que ela quer tenho que dar sem reclamar, porque senão ela chora e diz que vai embora...”

Ao fim da vida, os longevos, em suas confissões à própria alma, questionados pela história, sobre a vida um do outro, Franco disse que Prudêncio tinha muito dinheiro, que era invejado, admirado, procurado, assediado, comentado; que podia comprar muitas coisas e que não existia prazer maior que esse. Citou a música de João Nogueira, De Amor É Bom, esta que enaltece o poder. “...É bom ter poder, porque poder pode podar. É bom ter o que ninguém pôde ganhar. Saber o que será o dia de amanhã. Comer, beber, dormir, sonhar, ser um ‘bon-vivant’...” Prudêncio, por sua vez, revelou que Franco era um homem livre e que esse é o maior tesouro que um homem pode ter; falou que, conforme Tim Maia, em sua música Não Quero Dinheiro, Franco havia entendido o teor da vida. “...Quero amor sincero, Isto é que eu espero, grito ao mundo inteiro, não quero dinheiro, eu só quero amar...”
Há 5.000 anos, os chineses inventaram uma coisa que muitos acham mais importante que a roda, esta que é considerada o maior invento da humanidade. O surgimento da balança sugere o início de uma nova era, um tempo em que finalmente o homem entendia que a maior sabedoria é o equilíbrio, a ponderação. Nem tanto nem tão pouco. Sabendo-se que em todas as escolhas feitas, outra opção é abandonada, ambos, agora, dirão “Sofro as atitudes que tomei por acreditar em verdades ignorantes, que à época tomei acreditando numa moda passageira que se foi tal qual fumaça”, como diz Raul Seixas, em Diamante de Mendigo. Concluindo que um tem muito do outro, é lembrado Alceu Valença, alhures “Apesar dos pesares não esquece, nosso sonho real e atrevido, [...] tem o peito dividido, entre um porto seguro e o além-mar”.


E durante o derradeiro parágrafo da aventura vivaz de ambos na terra, foram juntos para o mesmo lugar, onde é sempre primavera e sol brilha constante. A morte, ou coisa parecida, impiedosamente, os levou, sem dar mais chances para lamentos e-ou novas escolhas erradas, conforme diz Belchior, alhures. “E o anjo do Senhor, de quem nos fala o Livro Santo, desceu do céu pra uma cerveja, junto dele(s) no seu canto. E a morte o(s) carregou, fez um pacote com seu manto...”

Enquanto isso, enquanto há tempo, fazendo uso do invento dos chineses, proponho uma troca. Seguindo Rigaud, alhures, “...Tou trocando meu reino, por uma cerveja...!”

Vade Mécum!




LuisBorsan



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