A FELICIDADE REAL PREFERIDA DE FUBUIA.

Uma sensação sem nome, de alegria plena, holisticamente tomou conta do corpo e da alma daquele homem que, até então, vivia o dia e não o sol, a noite e não a lua. Um êxtase jamais experimentado sublimou-lhe a existência como nos seus melhores sonhos. Ele estava, agora, cercado de amigos que o escutavam atentamente. Os olhares perdigueiros das mulheres em volta confessavam latentes interesses nele. E isso lhe inflava o ego e acrescentava ainda mais magia àquele momento. Sentia-se um monarca, um semideus, o dono da verdade, operador do impossível. O prazer anestesiante não o deixou lembrar que o filho estava preso, ameaçado de morte por traficantes, que já não estudava nem trabalhava há muito tempo, que havia se tornado peso insuportável para a família; que a filha estava grávida sem saber quem era o pai dos gêmeos em seu ventre; que a esposa havia fugido com o palhaço de um circo que acampara um mês antes na cidade. Ao experimentar o primeiro gole, ele percebeu que o gosto não era tão ruim quanto ele pensava. Ainda mais que a cachaça artesanal havia sido acondicionada em um coco seco, este lacrado com uma rolha, desenterrado após um mês, o que conferia à bebida um sabor exótico que agradava a quase todos. Ele nunca havia bebido na vida e achava que nunca o faria. Mas a tese “dessa água não beberei” foi destruída pelo poder coercitivo e irresistível que os fatos sociais exercem sobre pessoas no limite da tolerância.
O sol, além de testemunha, em seu movimento poente cumpriu o papel de sempre ser um “aviso aos navegantes”, inclusive aos que viajam em águas etílicas. Ordenou o fechamento da única barraquinha de cachaça daquele povoado. Ele, instintivamente, tomou o rumo de casa, ainda sob os efeitos inebriantes da felicidade adquirida. Na estrada, enquanto caminhava, as buzinas repetidas dos carros confirmavam que se tratava de uma Very Important People (VIP). Inclusive uma delegada de polícia, cujo grau de importância social, certamente, estava aquém da sedizente pessoa muito importante, parou seu carro de luxo e fez questão de tirar uma fotografia da emergente celebridade.



 No dia seguinte, após acordar, não teve dúvidas de qual seria seu destino. Mas muitas pessoas o interpelaram dizendo verdades duras, tais: “Você chegou muito bêbado em casa”; “Você passou o dia todo na barraca de cachaça, em frente ao brega”; “Você foi visto cambaleante e em zig-zag pela rodovia, com os carros desviando de você e acionando as estridentes e raivosas buzinas, para não te atropelar!
Silente, ele fitou o infinito com um olhar totalmente envolto em mistério. E após eternos segundos de suspense, partiu ansioso por viver tudo outra vez.

2 comentários

  1. Interessante. Os dramas e frustrações existenciais do personagem e a fuga pela anestesia do àlcool, em face ao sentimento de impotência diante da realidade pessoal vivida.

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